Resenha:
CARVALHO, José Murilo de. A
Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo. Companhia das Letras: 1990
O autor, de A Formação das almas: O
imaginário da República, José Murilo de Carvalho possui graduação em Sociologia e Política pela
Universidade Federal de Minas Gerais (1965), mestrado em Ciência Política
- Stanford University (1969) e doutorado em Ciência Política
- Stanford University (1975), pós-doutorado em História da América Latina na
University of London (1977). Além disso, ele foi professor da Universidade
Federal de Minas Gerais, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro, e professor visitante das universidades de Stanford,
California-Irvine, Notre Dame (Estados Unidos), Leiden (Holanda), London e Oxford
(Inglaterra) e na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França). Foi
pesquisador da Casa de Rui Barbosa, do Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil, e pesquisador visitante do Institute for
Advanced Study de Princeton. Atualmente é professor titular aposentado da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. É membro da Academia Brasileira de
Ciências e da Academia Brasileira de Letras. Suas pesquisas e sua produção
concentram-se na história do Brasil Império e Primeira República, com ênfase
nos temas da cidadania, republicanismo e história intelectual. Em especial
história social das idéias.
A obra de José M. de Carvalho, A
Formação das Almas, o objeto da resenha,
é dividido em seis partes, mais introdução e conclusão; o livro editado
pela Companhia das Letras é destinado um público acadêmico, porém pela
linguagem acessível pode atingir a outros públicos sem grande complicação. O autor parte de um questionamento da sua obra
anterior Os Bestializados, onde ele
mostra a “nula participação popular” (p.09) na implantação da República. A
partir daí ele procura mostrar nesta obra as tentativas de promover a
legitimação do novo regime e avaliar a aceitação ou não por parte da população.
O primeiro capítulo Utopias republicanas, mostra às diversas
vertentes que existiam do republicanismo no Brasil, destas duas eram de
inspiração francesa; sendo colocado neste capítulo em debate as ideologias que participariam
da construção da República e as adaptações que foram feitas para adequá-las ao
contexto brasileiro, eram elas: o jacobinismo, única vertente que incluía a
participação popular, o positivismo ortodoxo de inspiração francesa e o liberalismo de inspiração norte americana, estas duas últimas que segundo
Carvalho levavam mais em conta “aspectos da organização do poder” (p.22),
contrapondo-se assim ao jacobinismo.
O segundo capítulo As proclamações
da República retrata o embate ideológico republicano, no momento de
“invenção” do novo regime, onde um mito de origem se constrói e busca-se a
legitimação da República. Existe aqui também outra questão importante, que é o
embate para ver quem iria ocupar os lugares de destaque, os papeis principais
do novo regime, sobre isso Carvalho diz: “A luta maior é pela qualificação de
fundador, disputada pelos partidários de Deodoro e Benjamin Constant. Quintino
é raramente fundador; com freqüência aparece como patriarca ou apóstolo. Em
torno de Floriano há mais consenso, pois veio depois: ele será o consolidador,
o salvador da Republica.” (p.37). Como pode ser visto a luta principal fica
entre os militares: Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant, o primeiro com uma
imagem que reforçava a proclamação da Republica como um ato militar; e o
segundo com uma ideia mais abrangente, a de República como salvação da
nação. Porém, segundo o autor, esse mito de origem ficou inconcluso.
O capítulo terceiro, Tiradentes: um
herói para a República, mostra a apropriação e o processo que é chamado
pelo autor de “heroificação” de um mito que emane os valores e as aspirações
que exigiam o novo regime e a população; o herói segundo o autor é de suma
importância para a legitimação de um novo poder e este tem que atingir o
coração e a mente das pessoas para que seja um instrumento eficaz. Fica claro
nessa passagem do livro a necessidade de adesão popular na criação de um
panteão de heróis da República, pois na falta de uma figura dessas entre os
republicanos foi preciso buscar nos inconfidentes mineiros a imagem já mitificada
de Tiradentes. No caso, a imagem de Tiradentes é assimilada e modelada de acordo
com a ideologia corrente e este se torna o rosto da República, um “totem cívico” (p.68) nas palavras de
Carvalho.
No quarto capítulo é mostrado o esforço por parte dos positivista para
transformar a figura feminina em imagem da República, a inspiração francesa ai
é clara, porém sem apelo popular; no imaginário popular a figura religiosa de
Maria era muito mais presente, ou seja, a Republica-mulher:
entre Maria e Marinne mostra o fracasso da imagem feminina como
representação da República e ainda a derrota da imagem cívica ante a religiosa.
Talvez porque na matriz francesa a mulher tenha participado da revolução, o que
serviu de base para a aceitação da imagem feminina; para tal explicação
Carvalho utiliza a idéia de Buczko de comunidade de sentido ao dizer que “o
imaginário, apesar de manipulável, necessita, para criar raízes, de uma
comunidade de imaginação, de uma comunidade de sentido.” (p.89). O que não existia no momento de
instauração da República.
O quinto capítulo Bandeira e Hino:
o peso da tradição mostra a princípio a vitória parcial da tradição, com
relação à bandeira nacional, onde é aceito o desenho e as cores da bandeira
imperial, com algumas modificações como a circunferência azul e a faixa branca
com os dizeres – diga-se de passagem, positivistas – ordem e progresso. Além disso, ocorre o que, segundo Carvalho, é um
dos únicos, se não o único momento de participação popular na criação da
Republica; momento este em que é desprezada a “Marselhesa” francesa por parte
dos populares e é consagrado como hino nacional o mesmo do período anterior,
que por fatores históricos já estava enraizado no imaginário popular, já que o capitulo também relata a emoção das pessoas ante estes
símbolos, em especial o hino, sendo esta uma vitória completa da tradição.
Em, O positivista e a manipulação do
imaginário, sexto e último capítulo do livro de Carvalho, é mostrado como
os positivistas, em especial os ortodoxos estavam à frente da construção do
imaginário republicano e a atuação destes sempre com base nas doutrinas de
Comte, com algumas adaptações as especificidades do contexto brasileiro da
época. O campo de atuação principal dos positivistas foi à política, principalmente
na manipulação do imaginário, foi despendido deles o maior esforço para
legitimar a República.
Por fim o livro de José Murilo de Carvalho mostra que houve sim a
tentativa de legitimar a República que surgia. Apesar de não se aprofundar em
algumas questões referentes à legitimação, como o calendário republicano,
assunto que é tratado a partir da lacuna de Carvalho em texto de Elisabete da
Costa Leal. Contudo faltavam raízes a
mesma para que conseguisse ser fixada no imaginário popular. Os símbolos que
tiveram adesão e foram identificados são aqueles que tinham ou um apelo
religioso, no caso de Tiradentes associado à figura de Jesus Cristo; ou os que
remetiam ao regime político anterior, como no caso da bandeira e do hino
nacional, que provavelmente criaram suas raízes na mente popular no período da Guerra
do Paraguai. Lembrando que foi tentado por parte dos republicanos não só tornar
o regime aceito; mas também amado, houve um esforço para o lado da produção de
sentimentos por parte dos positivistas, que assim como a invenção da República,
foi inconclusa.
Bibliografia:
CARVALHO, José Murilo de. A
Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo.
Companhia das Letras: 1990.
CARVALHO, José Murilo de. Os
bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia da Letras, 1987.
CHAUI, Marilena. Brasil: mito
fundador e sociedade autoritária. São Paulo. Editora Fundação Perseu
Abramo: 2000.
LEAL, Elisabete da Costa. O
calendário Republicano e a Festa Cívica do Descobrimento do Brasil em 1890:
versões de história e militância positivista. IN: HISTÓRIA, São Paulo,
v.25, n.2. p.64-93, 2006.